sábado, 1 de janeiro de 2011

ARTISTAS/pag 2 _Helena Lousinha


excerto do catálogo da exposição "Ailleurs"





Sombra sobre sombra, pele sobre pele

Entre a morte e o sonho existe um espaço ou talvez um gesto, desses gestos fugidíos onde se esconde a singularidade do sentido, onde se dissimula a luz que dá vida a todo o resto. É nesta cisura entre o visível e o invisível, entre aparência e revelação que nos encontramos.
Seria incapaz de falar desta pintura sob um plano que seja rigorosamente iconográfico, não nos esqueçamos que a pintura não é uma simples criação de imagens, é antes de tudo uma prática. E portanto, a pintura não é um instantâneo, o tempo da pintura não se conta, não se corta, não se regula, está simplesmente contido nela. A pintura é principalmente uma história de camadas de cor que se depositam umas após as outras. A pintora sabe que as primeiras camadas têm tendência a querer voltar a superfície, sabe que estas epidermes são também profundidade da memória. A luz que se encontra não é a reprodução factícia da luz física, mas algo que vem das profundezas dos primeiros estratos, a luz que se encontra nestes quadros é memória, sempre, uma opacidade com a transparência do tempo. Porque a memória é opaca apesar de irreal.
Helena não trabalha com luz mas com sombra. Talvez seja significativo o facto de ela viver numa terra onde a vida esteja situada na sombra, à sombra; e vi sua pintura escurecer desde que ela vive no Alentejo terra de luz, de luz em excesso, de tanta luz que esta acaba por ser uma superficie virgem onde tudo resta por fazer. Talvez a sua pintura se aparenta a este gesto de aplicar um véu sobre a nudez, a nudez árida das coisas. O pequeno pudor de um véu epidérmico. As escâncaras não se consegue ver nada.
A pintura da Helena escapa ao mundo da imagem e portanto da velocidade; quero dizer que aqui o tempo é pura duração, que aqui se encontra o potencial da sua pintura para abrandar o tempo para crucificá-lo e recriá-lo outra vez em varios tempos que se sobrepoêm que lutam constantemente entre eles. Vários tempos/epidermes nos quais se ouve um esfregar por vezes suave como o sussuro de uma folha que cai, por vezes rugoso como a terra gretada de Agosto.
Trata-se aqui de aflorar na tela, de fazer subir até a palpação algo de profundamente enraizado. Talvez esse algo seja da ordem da ausência, de uma ausência subterrânea donde esses corpos nascidos sem cordão umbilical parecem provir, esses corpos que lentamente dolorosamente regressam á posição fetal, esses corpos que por vezes nem conseguem emergir por ficar atrás. Atrás de uma pintura de Helena Lousinha há sempre um corpo à espera.
Helena relembra-nos sempre e sempre que somos feitos de uma coisa chamada «sentir» e que, no seguimento desta aproximação sensitiva, a visão que nos é oferecida não pode ser outra coisa do que uma imanência e de maneira nenhuma uma imagem ou um signo. Como se para cada camada de tinta ela tirasse uma do mundo, como se a pintura pre-existisse a tudo e que nos bastasse um olhar paciente.
A aproximação pictural da realidade da artista não se coloca unicamente na esfera do «visual». Como se o real fosse uma ferida que ela tentasse cicatrizar aplicando algo da sua própria pele; é com este lento e doloroso trabalho que ela nos oferece. Leva o seu tempo impregnar-se dessas pinturas como leva tempo acariciar a pele do corpo amado com os seus rastos, os seus desgastes, os seus sinais, as suas feridas. E assim como esta pele que pensamos conhecer por dormir com ela, por fazer amor com ela, esta pintura é um desafio para o nosso olhar, de um lado pensamos conhecê-la, e por outro lado não conseguimos abrí-la, subir até a sua origem, desfazer o enigma.
Jean Pierre Santos Martins
Junho de 1996
Do catálogo da exposição na Galeria Gymnásio em Setembro de 1996
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Helena Lousinha de nacionalidade portuguesa, nasceu em 1952 em Casablanca (Marrocos), vive e trabalha no Alentejo – Portugal desde 1986.
1977 / 1978 - Curso de formação artística, na S.N.B.A. - Lisboa.
1980 / 1986 - Formação em pintura no AR.CO (Centro de Arte e Comunicação) Lisboa.
Cursos intensivos de: Historia da Arte
A Essência – Entidade de Cor
Técnica de Fresco
Exposições colectivas – selecção:
1983: I Bienal Arte jovem Chaves. 1984: IV. Bienal Vila Nova de Cerveira; Sociedade Nacional Belas Artes, Lisboa “10 Anos depois do 25 Abril”. 1985: “Jovens pintores” S. Lourenço – Almancil; II Bienal Arte jovem Chaves; “Pequeno formato” Estoril. 1986:III Exposição de Artes Plásticas – Fundação Calouste Gulbenkian. 1987: II Exposição de Arte Ibérica – Campo Maior e Cáceres; “Jogos” Galeria Arcada – Estoril;” Pequeno Formato” Estoril. 1988: “Arte jovem portuguesa” Mindelo – Cabo Verde; “5 Mulheres do Alentejo” S. Lourenço – Almancil. 1989: “Arte contemporânea” Col. Volker e Marie Huber – Loulé. 1990:” Suporte papel II – Figurativo” Galeria Arcada – Estoril; Exposição prémio João Hogan – Lisboa; Bienal Lagos – Lisboa / Lagos; Galeria de S. Bento – Lisboa. 1992: Dia da Mulher – Galeria Municipal de Almada; Convento de S. Francisco – Mértola;” Port. Arte” Feira de Arte – Portimão; Galeria Veredas – Sintra. 1993: Galeria de Arte do Conde Redondo – Lisboa. 1995: “Não às Naturezas Mortas” Amnistia Internacional – Mitra – Lisboa. 1997: Convento do Espírito Santo – Loulé; Marca – Madeira. 1998: Arte de Portugal na Alemanha – Meebusch – Dusseldorf. 1999: Galeria Municipal – Fitares – Sintra;”Arte contemporânea Anos 90” Galeria Novo Século – Lisboa; Feira Arte Contemporânea Lisboa – stand Galeria Novo Século. 2000:” ARCO” Madrid – stand Galeria Novo Século; Werkraum Godula Buchholz – Denklingen – Alemanha. 2001: “Iniciar” Galeria EDIA – Beja;” 9 Artistas” Mouraria Galeria de Arte – Funchal; VII Bienal Artes Plasticas – Montijo; Modulo 2´5 x 2´5 – Beja. 2004: “Homenagem a Wenceslau de Morais”- Gymnásio- Lisboa.
Exposições individuais
1987 - “Paixão pinturas” – Clube 50-Lisboa
- Galeria Arcada – Estoril
1989- Galeria Triângulo 48 – Lisboa
1991 - Galeria Triângulo 48 - Lisboa
1992 - Galeria Municipal de Castro Verde
- Galeria Veredas – Sintra
1995 - “O lugar secreto, Minas de S. Domingos” – Galeria Escudeiros Beja
1996 - Galeria Municipal Gymnásio – Lisboa
1999 - “Emergências”- Galeria Novo Século - Lisboa
2000 - Forum Municipal - Castro Verde
-“Je dors mais mon coeur veille” – Galeria Novo Seculo-Lisboa
2005 -“Presenças” – Forum Municipal Castro Verde
2006-2008 -“Olhares sobre um lugar - Mina São Domingos” - Montemor-o-Novo,
Alvito, Castro Verde, Almodôvar, Serpa, Sines, Beja, Estremoz, São
Domingos, Sacavém.

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