terça-feira, 11 de janeiro de 2011

ARTISTAS/ pag 3_ Eduardo Santos Neves

EDUARDO SANTOS NEVES

Lic. em Artes Plásticas – Pintura Escola Superior de Belas Artes Lisboa . Prof. de Artes Visuais



..., autor cuja disponibilidade se avalia melhor nas duas últimas décadas, trabalha assim uma espécie de ensaio sobre a natureza da pintura, quer em termos de representação, quer no confronto entre registos e citações. Os seus quadros são estruturados a partir do legítimo recurso a representações de outras pinturas, fragmentos delas em novos enquadramentos, mantos escarlate das indumentárias pós-cristãs, valores plásticos arrebatados a diversos contextos e servindo de cenário à reflexão a preto e branco de cenas, rostos, pedaços do mundo vivido, por vezes sugerindo a verosimilhança fotográfica da primeira metade do século XX.
Toda esta metodologia que desconstrói referências importantes da pintura representativa para as reconstruir em inusitados recursos de geminação, assim e de modo semelhante, vem colocar em termos de investigação a mecânica e a cultura do processo visual, mas abre caminhos inseridos, congregados, por vezes irónicos ou verdadeiramente contundentes, em que se desdobram ou concentram incisões críticas sobre as falsas magias de mundos litúrgicos, alusões ao poder fantasmático que tantas vezes tutelou torturas inquisitoriais, poder após poder, a arte como testemunho reelaborado da consciência crítica. Os símbolos do martírio que a religião aponta a ocidente (a oriente também, afinal) ligam-nos à sobrevivência intencional da representação e à consciência dos mártires no século XX, apesar das alienações da mera proposição estética, tantos genocídios entretanto.

ROCHA DE SOUSA

PINTURA NA PINTURA_por Rocha de Sousa

Vejo em redor o espectáculo da pintura povoado de figuras sobrepostas, conotadas com os personagens de outras memórias ou de outras representações, e tenho a sensação de que é possível desmontar as falsas colagens, descobrindo possíveis sentidos na complexa alegoria onde a memória desempenha um papel importante, a par da dolorosa convocação do ser no acto de ver. Eduardo Neves, autor cuja disponibilidade se avalia melhor nas duas últimas décadas, trabalha assim uma espécie de ensaio sobre a natureza da pintura, quer em termos de representação, quer no confronto entre registos e citações. Os seus quadros são estruturados a partir do legítimo recurso a representações de outras pinturas, fragmentos delas em novos enquadramentos, mantos escarlate das indumentárias pós-cristãs, valores plásticos arrebatados a diversos contextos e servindo de cenário à reflexão a preto e branco de cenas, rostos, pedaços do mundo vivido, por vezes sugerindo a verosimilhança fotográfica da primeira metade do século XX. E os políticos, os eventuais gestores que nos sobram a cada esquina. Falamos assim de quadros sobre quadros, mistura por planos inseridos também e na qual se definem anatomias humanas, alinhamentos parietais de senhores enchapelados, com bengala, juntos, repetidos e vandalizados na horizontal por ocultações a vermelho, trincha da revolta que parece assumir desagravos pela morte do corpo nu, deitado no chão, primeiro plano perto de nós, observadores, procurando descodificar a natureza dos sinais. O homem, só visível do tronco aos tornozelos, modelado em cinzas, aparece deitado ao comprido e sobre um resto de pano branco enrodilhado por baixo da cintura. Dir-se-á que, aquém ou além dos senhores em grupos, porventura figuras de um republicanismo tormentoso, nos encontramos diante da hipotética convocação do ser em Cristo tumular, imagem dolorosa pela aparente impossibilidade da ressurreição.


Há, em todo este percurso, uma certa visitação da História e da pintura, aliás pela intencional escolha de formações clássicas, pela concentração em fragmentos ampliados de obras de Velásquez servindo de fundo ou contexto ao exercício problematizado da visão. Visão e sua mobilidade em múltiplos planos e tempos, contrastes do preto e branco, citações dilaceradas ou feridas por posteriores rascunhos, figuras ilusórias à frente e atrás, uma questionação que abarca tanto a geometria do espaço como a obstrução deste pela dilatação de panejamentos, do próprio rosto de algum personagem pretérito, por uma das «meninas» do quadro de Velásquez, ela a espreitar os olhos do pintor e as suas mãos que seguram o espelho mítico onde só resta a desfocada imagem do observador manipulado e não as vagas silhuetas do rei e da rainha. Toda esta metodologia que desconstrói referências importantes da pintura representativa para as reconstruir em inusitados recursos de geminação, assim e de modo semelhante, vem colocar em termos de investigação a mecânica e a cultura do processo visual, mas abre caminhos inseridos, congregados, por vezes irónicos ou verdadeiramente contundentes, em que se desdobram ou concentram incisões críticas sobre as falsas magias de mundos litúrgicos, alusões ao poder fantasmático que tantas vezes tutelou torturas inquisitoriais, poder após poder, a arte como testemunho reelaborado da consciência crítica. Os símbolos do martírio que a religião aponta a ocidente (a oriente também, afinal) ligam-nos à sobrevivência intencional da representação e à consciência dos mártires no século XX, apesar das alienações da mera proposição estética, tantos genocídios entretanto.














Eduardo Santos Neves
Calç. do Monte 33 c/v esq. 1170-250 Lisboa 21.8867329

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